domingo, novembro 24, 2013




Nos caminhos de “A Magia das Chaves”

Fui convidada a entrar em um mundo mágico em busca de uma chave especial.  Fiquei bastante apreensiva ao imaginar como é extenso o universo das chaves. Encontrar “A chave” e carregá-la de significado pode ser tarefa penosa para principiantes. Depois de pensar e repensar, a decisão: “Estou disposta a percorrer esse caminho”.
Comecei encontrando “A chave do passado”, uma chave velha e quebrada que povoou meus sonhos, transportou-me de volta ao mundo mágico da infância e ensinou-me a olhar sempre para frente sem me prender às amarras do passado.   Alguns passos à frente, numa história parecida, deparei-me com Albertina Fernandes, que voltava à casa da sua infância, e, com a chave do carro na mão, ficou ali, a olhá-la, vazia, silenciosa, sem o encanto de outrora e a contemplar “O silêncio dos invisíveis”
Recomecei a caminhada com Adriana Teixeira Gomes falando sobre “O poder” que sobe à cabeça de quem tem o controle das chaves, afinal estamos todos dependendo delas. Concordei com ela. Precisamos sim, mesmo que seja para abrir uma ideia, como aconteceu com Alexandre Acampora em sua “Metamorfose”: uma ideia para eliminar os fungos que insistiam em impregnar seus livros. 
Retomei a procura com Alexandre Sandrieu. Uma chave na ignição, um acidente trágico e entre perdas, ganhos, luta pela vida e um amor muito grande, escreveu “A última carta de amor”. A tragédia se repetiu com a “Chave bendita”, que nas mãos de Lucas Figueiredo Silveira testemunhou o fim de uma linda história de amor que teve início nos tempos da meninice e desfecho de vingança. Trágico também foi o motivo de uma partida inesperada que deixou em pedaços Luz Corvo Dias. Uma chave guardada em um envelope dentro de uma caixa, uma carta e um endereço que resultou em “Retalhos de mim”. Ainda trágica a chave esquecida na fechadura, do lado de fora da porta, por Thaís Amado. Pretexto para um encontro feliz, mas que desencadeou uma tragédia passional. Resultado: “Uma chave e Três vidas”.
Observei durante a caminhada que algumas coisas precisam ser muito bem trancadas. Como o coração. Assim como “Sete chaves, no lugar do teu coração” foram abrindo uma a uma as sete portas, colocou Filipa Vera Jardim frente aos dissabores da vida e preparando-a para, enfim, viver. Ou as sete chaves que fechavam o coração de Teresa Almeida impedindo a felicidade que só foi reencontrada quando readquiriu a alegria da gratuidade e, com amor, recuperou a chave do coração em sua “Viragem”. O sete, também considerado “O número perfeito”, representava a casa de Alice Branco, cuja porta está sempre aberta a sete chaves sugerindo a liberdade de quem não se apega a coisas materiais. E as sete chaves de Dalila Moura Baião, cravejadas de lapas e vestígios de algas, cada uma com uma letra que “Entre o vento e o mar” formam a palavra INFINITO e mostram anjos que revolvem a terra e plantam a fraternidade.
Nenhuma dessas era a chave que procurava.  Soube então de uma chave velha que foi rejeitada por uma fechadura brilhante, convencida, soberba, revelada por Alice Mano-Carbonnier em “Era uma vez uma chave”. A fechadura teve um fim trágico: enferrujada, desmanchada e jogada no lixo; a chave, guardada em uma linda caixa. Continuei com “O Dandi imortal” e percebi a estranheza da vida de quem não encontra razão para viver e a loucura provocada por uma pequena chave dourada e descrita por André Lamas Leite. Ao longe, vislumbrei “A chave perdida” que abriria um cofre negro, recheado de dinheiro cobrado dos pobres por um rei perverso que morreu na batalha. Antonio MR Martins conta de um novo e bondoso rei, mas o cofre...
Sozinha nesse caminho, senti pesar a solidão. Encontrei sentimento comum em algumas chaves que descobri pelo caminho: primeiro Cristina Correia nos mostra a chave da arca de “A avozinha Eva”, que era aberta para esquecer a solidão, mas que ensinou a livrar-se dela ajudando as outras pessoas; em seguida o “Vai e Volta” de Beatriz Pacheco Pereira apresenta duas chaves douradas que serviram de pretexto para uma de muitas visitas que amainariam a solidão de alguém que estava longe de casa; a chave misteriosa de Bruno Resende Ramos que provocou a solidão, da qual só se liberta quem, pelos “Caminhos e descaminhos”, encontrar a chave da própria vida; e as perdas de “Mafalda de Loutulim” contadas por Cristina Malhão-Pereira, que sai em busca de si mesmo, encontra alguém e entrega-lhe uma chave que abre, ao mesmo tempo, sua casa e seu coração.
Em “É de repente que as coisas grandes acontecem”, depois de uma viagem forçada, Cristina Silveira de Carvalho revela os caprichos do destino. Encontra alguém que volta à memória quando procura as chaves da casa e encontra junto aquele bilhete: “Call me”. Já a chave de Elvira Cristina Silva pertencia a uma casa que escolheu a moradora e só ela possuía “As mãos certas para abrir a porta”. Encontrei Helena Osório contando sobre a angústia de alguém que está sempre esperando ouvir o barulho da chave abrindo a porta altas horas, mas precisava de “Cem chaves para abrir o coração”.
Na suavidade da poesia de Egídio Trambaiolli Neto, “A bailarina e o soldado” é uma história de amor de um soldado que morreu carregando consigo a chave da alma de sua bailarina, mas que deixou viva a chave da esperança. De forma análoga, “A chave da esperança” de Isabel Maria Nascimento Rodrigues revela o caminho para encontrar o amor e a chave para abrir o coração. E nos versos de Libânia Madureira, uma dança poética que entre chaves para alento da alma, chave do pórtico e chave-círio, que tudo ilumina, apresenta-nos a “Chave do ser”.
Bem no meio do caminho, esbarrei com uma chave de prata de tons azulados. Era “A chave do cofre de Lia” que abria o coração da menina de tranças e, conforme disse Joaquim Sarmento, prendeu para sempre o coração de alguém apaixonado.  Vi também “As chaves” de Joubert Amaral revelando a efemeridade da vida e a velocidade do tempo representada pelas consequências dos atos provocados pelas chaves perdidas.
De um momento a outro, estava dentro da literatura, no mundo de Fernando Pessoa que escreveu uma “Carta para Ofélia”. Haveria ela de decifrar o código que recebeu juntamente com uma chave. José Carlos Pereira entra na confusão causada pelos heterônimos da história e a chave servirá para que encontrem o próprio caminho. Num piscar de olhos encontrei “O livro mágico” em que Luís Pereira estava perdido. Em uma narrativa de um ritmo acelerado, cheia de personagens estranhos, só ele tinha a chave para terminar aquela história.
“Demorou a chegar” a chave de Maria do Céu Neves, que precisou ser procurada exaustivamente, anunciada em um poema e encontrada no próprio peito. Chave do enigma de uma vida estagnada que precisava apenas de uma ideia para desbravar novos caminhos. Mais adiante, um homem, que depois de carregar por tanto tempo um molho de chaves, fugiu de sua realidade. Maria Isabel de Mendonça Soares não o deixou esquecer seu passado e foi “Aquela chave” levada pelo cão que o fizera voltar para casa, para os braços da esposa.
Em um desses casos de “Vidas desencontradas”, localizei Maria Isabel Loureiro que falava da chave do portão por onde passava lembranças de um passado que não se concretizou. A mesma chave que fechou sua vida levando-a a viver outra realidade, outra história. E como esquecer “A matança do porco cilindro”, em que as chaves serviram para quebrar tradições e ensinar que o poder independe de forças exteriores, como conta Maria João Gonçalves. O poder está dentro de cada um.
Essa caminhada, cada vez mais longa, levou-me até “A auxiliar”, uma história fantasiosa de Maria João Saraiva de Menezes. Uma mulher explorada, levada a loucura e uma chave inútil, desnecessária, que fechava o apartamento, mas deixava-se passar. Compensando os descaminhos, encontrei Pedro Jardim mostrando-me três chaves que revelavam o valor do abraço, do amor próprio e o sentido da vida. Era preciso apenas encontrar “A chave da existência”.
Um pouco mais adiante, a surpresa foi descobrir com Maria Mamede uma chave de ferro que fez parte de muitas brincadeiras e proporcionava risos soltos e muita alegria, tudo registrado na “Carta ao Tonico”.  Também localizei, de maneira singular, “As chaves da paciência abre as portas da glória”. Essa chave, revelada por Paula Teixeira de Queiroz, abre a possibilidade de encantar-nos com as coisas pequenas e esperar por momentos de glória, como um simples desabrochar de uma flor.
Durante minhas andanças, um encontro muito bonito, foi com o “Sonho de um caipira”. Nilce Coutinho nos leva a acompanhar belas ilusões e a luta por uma vida mais digna. Após aspirações e desenganos, a concretização do sonho de uma família: a chave de uma casa, melhores condições de vida. Depois acompanhei Paulo Jorge Almeida quando encontrou uma chave, média, enferrujada e com ela pôs-se a caminho tentando encontrar a porta que ela abriria. A perseverança na caminhada levou-o a descobrir, em um sonho, a liberdade. Quando acordou, descobriu que, na realidade, precisava “Fechar a porta à chave”.
Já cansada da caminhada, alegrei-me ao encontrar “A chave sem relógio”. Uma imensa variedades de chaves e aquela chave especial, a mais pura e genuína, que, segundo Sofia Ribeiro Fernandes, abre o coração e ensina a esquecer a correria do tempo, imposta pelo relógio, e a ser muito feliz. A seguir fiquei mais encantada ainda ao encontrar José Alberto Sá perto de “Uma porta aberta”. Aquela porta não precisava de nenhuma chave material para abri-la: nem chave de ouro, nem de prata, nem de ferro; mas sim, a chave dos sentimentos.
Percebi que minha busca estava chegando ao fim quando encontrei Wilson de Carvalho Costa que já havia experimentado a sensação de várias chaves: chave dos sonhos, chave que aprisiona o coração, e aquela chave de bronze toda trabalhada que o levou a vários lugares procurando alguém. Foi, porém, “A chave do coração” que o ajudou a se libertar e a acreditar no amor e nas coisas incríveis da vida.
Assim cheguei ao fim da minha peregrinação. Pensando em tudo que vi e vivi, percebi que não é preciso ir muito longe à procura de uma chave específica, molho de chaves, sete chaves ou chaves douradas, prateadas. A chave de que mais precisamos estará sempre em nosso poder. É aquela que abre o nosso coração para as coisas simples da vida. Que nos ensina a viver, a ser feliz e a espalhar a paz, o amor, a solidariedade, a fraternidade e a igualdade por todos os lugares, tantos quantos conseguirmos. A verdadeira chave é a que abre a porta da existência e nos ensina que a vida só tem sentido quando é partilhada.
Luisa Garbazza
30 de outubro de 2013



Obrigada! Luísa Garbazza pelo caminho desvendado através de cada uma das chaves da nossa Magia :)

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